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Vista para o mar

Ele mesmo, o menino, ele queria conhecer o mar. Para a gente que mora na cidade grande ir ao mar é apenas mais uma

aventura, dentre tantas outras desse mundão chamado capital. Para o menino, era a experiência de sua vida. E, na verdade, como tantos outros meninos e meninas, ele gostava muito de experimentar. Mas a sua experiência com o mar tinha sido apenas pelas figuras sem graça dos livros didáticos da escola e pelos cartões postais que seus tios lhe mandavam.

As aulas estavam chegando ao fim e sua mãe (ainda tão jovem!), com a ajuda dos tios, havia lhe prometido um passeio de férias – essas promessas que as mães fazem para animar os filhos a passar de ano. Ele, então, já estava entusiasmado com a possibilidade de ver o mar sem as lentes da escola, uma experiência sua, íntima (claro que ele não pensava assim, com essas palavras, mas o pensamento era esse mesmo, e mesma era a expectativa).

Depois de longa espera, e de muito buscar cumprir com suas obrigações escolares (o menino se fez mesmo de muito bonzinho), lá estava ele no ônibus, no calor de janeiro, em direção à cidade grande, tão grande a cidade que poderia caber o mar dentro dela (ele imaginava!). Na viagem, pensava no tamanhão do mar, mais que no quão grande era a cidade. Pensar numa cidade grande lhe parecia mais fácil, era só imaginar a sua cidade inúmeras vezes repetida. Mas o mar, o mar era uma dimensão incalculável, desconhecida. Não era apenas o fino e seco rio de sua cidade visto numa lente de aumento. Também pensava no que seus colegas mais experientes diziam sobre como foi conhecê-lo: para eles o mar era salgado demais. “De que importava isso? Vai ver o sal deve servir para alguma coisa no mar”. Tudo isso passava pela cabeça do menino, enquanto piscava vagarosamente os olhos na direção do sono.

Sua cidade era muito distante da cidade grande, o que fez o menino dormir e acordar incontáveis vezes, e sempre com a pergunta: “já tá perto?”. Depois de umas cem mil dessas perguntas, ouve de sua mãe o esperado “chegamos!”. A mãe tomou um taxi que os levou ao apartamento dos tios. No caminho assustou o menino a quantidade de carros parados na rua e a quantidade de ruas (a sua cidade basicamente só tinha duas ruas: a de cima e a de baixo). A mãe lhe disse que era um engarrafamento (ele riu da palavra!). Era tudo tão grande, tantos carros, tantas ruas, tantas belas luzinhas acessas (no dia seguinte, com a luz da manhã, ele descobriria que aquelas belas luzinhas noturnas eram na verdade o efeito do amontoado de casas acordadas nos morros da cidade). Pelo que viu, esperto, já começou a imaginar como seria o mar. Demorou um pouco e chegaram ao apartamento dos tios. O menino só conhecia casas e adorou subir as escadas, nem ligou para elevador. Não prestou muita atenção na conversa dos adultos. Já era noite e, depois do jantar, procurou dormir para que chegasse logo o dia mais esperado.

Seus tios moravam longe do mar. Ele soube disso, porque foi a primeira pergunta que fez ao acordar: “O mar é longe daqui?”. Antes dessa viagem, o menino nem sabia direito o que era longe. Na sua cidade, longe é a casa da avó, que fica logo depois da igrejinha, a umas duas piscadas de olhos de sua casa.

Enfim, depois de ver um monte de enormes igrejas da cidade nova, chegaram à praia, e o menino pegou logo a mãe pelo braço e saiu quase arrastando-a. De repente, parou, parou mesmo, estatelado. Não, não foi uma parada comum. Ele parecia uma estátua, com o olhar fixo para frente. O menino se sentiu tão pequenino, mas tão pequenino mesmo, que lá ficou quase toda a manhã, só observando. Logo ele que gostava tanto de experimentar. Naquele dia, ele experimentou olhar. E olhou o mar demoradas vezes, ora para as ondas quebrando na praia, ora para a linha do horizonte ao fundo... Se era salgado o mar, ele só confirmou no dia seguinte, quando foram de novo à praia. Naquele dia bastou olhar: o mar era lindo! Imenso! E tão azul! E lindo!

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