

Palavra primeira, pouca
Este livro é um livro de cantos, lugares dispersos de uma cidade, quase imaginária, vinda da memória, duvidosa. Este livro é um livro de contos, curtos, escritos num tempo que confunde o agora e o antes, na maturidade imperfeita, busca do perdido, fugidia busca do homem disperso, descobrindo-se homem e saudoso do menino, guardado ainda, descoberto aos poucos. Se tudo parecer sem sentido — a simplicidade dos temas e a ausência de palavras, algumas, desnecessárias —, o poema de uma das primeiras leitoras (amiga que viu nos singelos contos alguma beleza, especialmente na leitura de papel de bala) talvez possa traduzir o que aqui se apresenta ainda em flor.
Bala perdida
Isabela Rebouças
O que se perde
nunca se sabe onde ou como
nem por que.
Se se soubesse, haveria de ter volta
e a dor não seria a mesma.
Quem sublima no banho a vontade de cachoeira
não pode entender o homem
com saudade do menino embrulhado em papel de bala, que não aceita o que se compra, o que já é.
Há que fazer com as mãos,
acertar o ponto, o alvo,
atingir o peito,
encontrar-se.
Não há como escrever sem se desnudar, sem inteireza. Na escrita, ficou a dor que achava pertencer-me; na escrita, saiu um pouco da beleza que a língua ofereceu. Se mais não veio é porque meu caminho é curto e começa agora, mesmo tendo começado antes.
José Amarante
Dezembro de 2006