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no monturo

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Sabe o que é monturo quem em casa tem quintal, não desses de plástico, perfeitinhos, tudo igual, natureza obediente. Sabe o que é monturo quem tem casa em praça de chão de barro, ainda abandonada. Casa do menino tem quintal com monturo. Palavra bonita: “monturo!”. Gente grande deve não gostar muito do lugar: “Sai daí, menino, desse mon­turo”. Ou então falando das preferências de menino: “Esse aí, não tem falado, não adian­ta, gosta mesmo é do monturo”. Mas o mon­turo é mesmo o lugar do menino. Lugar lar­gado, terra irregular, toco de pau, coisas já sem uso. Monturo é lugar de tudo.

 

Mãe do menino queria o monturo. Não, não queria o monturo. Queria o lugar para plan­tar um jardim e um pé de serigüela. Menino não gosta de perder seu lugar, nunca querido por ninguém, lugar abandonado. Aceita assim mesmo. Pé de serigüela ia ajudar menino a realizar sonho antigo: subir numa árvore. Na casa, todos os irmãos subiam nas árvores como macacos, rápidos, seguros. Menino quer mos­trar também que é homem. Pé de serigüela é bom pra começar, galhos baixos.

 

Menino não espera pé de serigüela cres­cer. Mudança do monturo acontece rápido. Galinhotas de terra, de tocos, de coisas velhas saíam a toda hora de casa em direção à praça. “Bom que monturo apenas mudou de lugar.” Pensamento chegava até a ser alto, quase ou­vido. Monturo na praça ficou completo: ao redor de uma árvore, um pé de fícus, planta resistente, frondosa, raiz forte. Sem querer, saiu tudo como queria o menino. Subir na árvore era o desejo. Mas árvore dá medo. Alta esta. Subir, se certo der, como descer?

 

Monturo até que ajuda, deixa a árvore me­nos alta. Velocípede jogado fora serviu para fazer o menino crescer. Subiu no velocípede, ainda vacilante. Agora estava mais alto. Mais perto do desejo realizado. Olhava pra cima e medo voltava: “E depois de desejo consegui­do, descer como?”. Menino aproveitou rua vazia e ensaiou a subida. Ver ninguém podia. Era simples demais pra não acertar.

 

Nem viu, já estava lá em cima. Agarrou-se ao galho mais forte, seguro. Sentimento mis­turado deixa menino tonto: orgulho, medo.

Sente, por um instante, o prazer da conquis­ta: “Subi numa árvore, subi numa árvore”. Voz silenciosa ecoava dentro.

 

Hora de descer haverá de ser fácil. Ilusão de menino. Olha pra baixo e vê o precipício: “Por que tudo tão alto agora?”. Menino vaci­la. Dá vontade de começar a gritar. Podia não. Vergonha era grande, assumir fraqueza pra vizinhança.

 

Fica sentado, encolhido num galho o tem­po que pode. Dali não vai sair. Menino não podia contar com olho curioso do povo. Bas­ta um, basta um saber de uma coisa, povo todo sabe. E foi Cezinha, vizinho maldoso, que co­meçou o alarde: “Vai descer não?”. Cara de menino denunciava medo. Cezinha continua­va: “Vai, fracote, desce!”. Não precisou mais nada. Monturo começa a ficar cheio. Cá em cima, menino com medo. Lá, tão embaixo, a torcida do contra: “Vai cair!”.

 

Menino já até queria alguma ajuda pra descer. Não queria chorar de novo na frente dos outros. Da porta da casa, a mãe olha. “Tá vendo aí a teimosia?” Logo ela, ajuda podia ser outra, mas logo ela salvar o menino era muita vergonha.

 

Foi assim: mãe segurando uma escada, xin­gando povo zoadento. Menino desceu cada degrau como quem conta idade pra trás, vol­tando pra barriga da mãe lá embaixo espe­rando. Baixou a cabeça, entrou em casa. Nunca mais encostou no monturo, nunca mais subiu em árvore. Desejo era outro.

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